quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Sou um caracol

Tudo que eu precisava era de sal, porque eu sou um caracol, e de um pouco, porque eu sou pequeno. Tudo que eu precisava era de sal. Bastante, porque sou pequeno, mas sou guloso. O que eu precisava era pouco, mas eu queria bastante. Então comecei a espumar, espumar, espumar. Espumava bastante e as crianças riam de mim. Pegavam-me pelo meu casquinho de nada e colocavam-me de pé pra cima. Meu casquinho ia logo quebrar. Essas crianças tem uma força danada. Espumava, espumava. Gosto de chamar de espuma. Espuma me lembra banho, e banho me lembra sais de banho, e sais de banho me lembram sal, e sal me lembra espuma. Acontece que o meio do meu organismo torna-se hipertônico. Precisa urgentemente de água. Mas eu não espero que ela chegue. Sei que as crianças tem umas garrafinhas com água nas suas mochilas, mas eu não vou pedir não. Não sou de pedir muitas coisas. Peço quase nada. Nem mesmo pedi sal. Mas todos meus irmãos já passaram por isso e nunca mais vi nenhum deles. Deve ser coisa de outro mundo e eu quero sair daqui. Espumava. Acho que espumei por completo. Agora estou no chão, minha casinha está em cacos. As crianças foram embora correndo. Seria uma espécie de brincadeira? Fiquei pensando o que estaria por vir. O que será que elas iriam trazer para mim? Não vi quanto tempo as crianças demoraram, mas sei que estava me sentindo muito cansado. De repente não senti mais nada, restou apenas o meu pensamento transbordando no papel através de alguém que olhara para mim desde o começo, sem eu perceber. Não percebi, percebi e morri.

2 comentários:

tay. disse...

queria pedir que não acabasse, o texto.

m. disse...

é, mas eu só conheço umas cinco pessoas que conhecem/gostam do filme, e uma que tem medo do cotoco de The Holy Montain (já viu? outro ótimo dele...). não é muita coisa também...


gostei muito dos teus textos. não tive tempo de ler muita coisa, mas me afeiçoei, principalmente neste, à linguagem, às brincadeiras com o lugar das palavras nas frases, à essa ironia fininha que quase não se vê, mas se sente numa ou outra curva do texto.