terça-feira, 30 de junho de 2009

II

Ontem de madrugada, acabei guardando a minha carta no bolso, deixei apenas meus pensamentos, não sabia onde estavas ou se estavas em algum lugar. Apenas sabia que não estavas aqui, ali, comigo.
Hoje me parece ter lhe visto. Você estava perto de uma fonte? Um dia desses quem estava perto dela, era eu. Estava pedindo um desejo. Você também estava, se não me engano, vi você jogando uma moeda na fonte. Desculpe a intromissão do meu olhar e meus pensamentos.
Talvez devesse ter ido até você, te chamar, mas fiquei com medo de começar outra carta imensa, guardá-la no bolso e continuá-la no dia seguinte, se bem que, isso já está acontecendo.
Desta vez, minha gata ficou em casa, quis poupá-la das minhas andanças sem conclusão alguma. Esperei você andar até algum outro lugar, então voltei à fonte, mas eu não consegui ler pensamento algum no ar. Você deixou algum?
Você poderia deixar pensamentos espalhados por ai, já que não trocamos mais palavra alguma. Lembro quando um dia, falamos sobre telepatia, mas não me lembro de ter dito que nos resumíssemos a ela. Você lembra?
Pergunto-me para onde você foi agora, já estou sabendo que vai fazer uma viagem dentro de alguns dias, talvez um. É todo o tempo que me resta. A verdade é que eu estou bem ocupada, não deveria estar aqui, nem ali, nem procurando você. Deveria seguir o seu exemplo, mas não. Como é que você faz?
Por mais frio que sinta, não consigo tornar-me igual a ele, mesmo que ele esteja tão dentro de mim, atravessando todas as roupas que visto. Preciso aprender um pouco dele. Desligar-me, talvez. Torradeiras são frias quando desligadas, e os demais eletrodomésticos também. Talvez eu seja geladeira velha, aquecendo mesmo ligada ou desligada.
Você sumiu rapidamente, enquanto eu estava a tentar captar algum pensamento seu no ar. Deixou-me triste, confesso. Não é uma grande confissão. Agora a pouco você estava bem aqui, ali, não ao meu lado. Nem mesmo o ar que você respirou passou perto de mim.
Enquanto penso todas estas coisas, temo esquecer o caminho de volta para casa. Agora você poderia se preocupar? Bem, acredito que minha gata irá sentir a minha falta e virá me buscar. So, don’t worry anyway.
Talvez o problema seja eu estar deixando meus pensamentos em lugares que você não virá. Mas como saber os lugares que você irá? Não tenho muito tempo. Nunca tivemos e agora temos menos ainda, aliás, você e eu não temos mais tempo nenhum, agora, se temos tempo, é um tempo individual, você o seu, eu o meu.
Está acabando, está ficando tarde, o dia seguinte não vai demorar e o dia após o dia seguinte também não. Também não vou demorar e você já foi há horas. Já estou indo de volta para casa, antes que eu esqueça talvez não do caminho somente, mas de voltar. Assim que eu chegar a casa, já poderei esquecer-me de voltar, o ponto de referência será outro, não mais a minha casa.
Se, quem sabe um dia, você captar meu chamado, minhas perguntas, meus pensamentos, será toda resposta necessária. Você vem? Você terá ido. Se um dia eu voltar, eu sentirei falta da minha pergunta no ar, quer dizer então, que ela terá sido sanada.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

I

O que você quer de mim? Eu já estou aqui há horas. Eu e a minha gata. Acho que ela sabia que você não viria, mas me diga você, ainda vem ou eu devo desmarcar tudo? Pois eu já estou aqui, para falar a verdade, como eu já disse antes. Estou começando a ser redundante, mas você sabe, eu sou assim.
Está chovendo, esqueci o meu casaco em casa, mas não se preocupe, se você não vir, eu volto para casa mesmo assim, não me importo de andar debaixo da chuva. Ela até é minha amiga, sabia? Tenho notado que ela é bem solidária, toda vez que vou começar a chorar, ela vem também, como para disfarçar, como para eu achar que o céu chora junto comigo. São todos muito amigos por aqui. É só você me dizer, ainda vem ou eu devo ir por nós duas?
O vento está ficando forte e eu tenho pensado tanto desde que cheguei aqui, estou começando a me sentir mal. Minha gata está deitada nas minhas pernas, numa tentativa vã de me aquecer. Tentei lhe explicar que o meu frio é algo mais interno e lamentavelmente você já me dói demais, logo, é tudo em vão.
Eu não sei bem por que eu vim e muito menos por que eu ainda estou aqui. Já está bem tarde. A hora que marcamos de nos encontrar já passou há muito tempo, eu já devia ter ido, porém ainda espero uma resposta. Você pode se perguntar qual foi a minha pergunta ou se estou falando da mesma pergunta que fiz anteriormente. É ela mesma, você vem?
Acho que a minha gata também está com frio, está tão enroladinha e parece que quer ficar debaixo da minha camisa. Acredito que não vai adiantar, pois minha camisa nem é de lã. Já lhe contei como o céu está bonito? Pois ele está bonito mesmo, bem bonito, você devia ver. Você quer vir? Aliás, você ainda vem? Quando amanhecer, o céu que estou vendo agora vai sumir, pense bem, e mesmo que você venha amanhã, não vai ser o mesmo céu e digo mais, não vai estar na minha companhia, nem você, nem o céu.
Pode ser que agora não lhe importe muito, mas quem sabe um dia, ou mesmo amanhã, você possa sentir alguma coisa em relação a mim, uma vontade de estar perto, assim como a que eu estou sentindo agora. Bem, deixe-me ser mais clara, não é vontade de estar perto de mim que eu estou sentindo, nem algum sentimento em relação a mim, mas sim tudo em relação a você.
Eu sei. Você já deve ter entendido, talvez já esteja começando a me achar repetitiva e até um pouco (ou bastante) boba, mas é que eu preciso mesmo saber, você vem? Não que eu vá ficar aqui até você responder, sabe? De repente eu levanto e começo andar, quem sabe. Você não quer isso, né? Acho melhor você me responder, assim eu posso ficar um pouco mais, te esperando. Não que eu ache que você vai dizer que vem, mas você também não achava que eu ficaria aqui durante tanto tempo, não é?
Não se sinta acanhada, tudo bem se eu tiver que andar até a minha casa, já andei muitas outras vezes. Seja lá qual for a sua resposta, pode falar. A minha gata acabou de descer das minhas pernas e se aproximou de uma poça de água. Eu também estou com sede. Estou com fome. Pensei que depois deste passeio, poderíamos ir jantar a algum lugar. Saí de casa sem comer nada. Não lembro bem se bebi algum copo d’água, suco ou algo parecido. Provavelmente não. Não queria correr o risco de precisar ir ao banheiro no meio da nossa conversa ou silêncio.
Nem mesmo há um banheiro por perto, que sorte! Mas se você estiver precisando ir ao banheiro, eu posso te levar em casa. Você está precisando? Se você disser que sim, eu volto logo para minha casa, pego meu casaco, volto aqui e continuo a te esperar. Assim que você chegar, vamos andando para minha casa e eu te ensino onde é o banheiro.
Não é uma das idéias mais inteligentes que já tive, afinal, onde você está, deve existir um banheiro. Aliás, onde você está? Distraí-me escrevendo esta carta e nem mesmo sei onde posso te entregar. Bem que você poderia me dizer, assim eu vou aí te buscar ou então você poderia vir aqui pegar estes papéis amassados.
Minha gata já voltou, foi dar um passeio, voltou com as patinhas molhadas, e agora minha calça está com umas manchas d’água, naturalmente. Acho que o pior já passou. Agora está bastante silêncio, mais do que antes. Tentei estabelecer uma conversa com a minha gata, perguntar se ela tinha te visto por aí. Você não está perdida, está? A única coisa que a minha gata disse foi “miau”, seria mais fácil se você me dissesse alguma coisa.
Eu tento entender a minha gata, ainda mais numa hora como esta. Mas o engraçado é que, por mais que eu não a entenda, ela me entende, ou ao menos é o que parece. Quando chegarmos a casa, vou lhe servir um banquete bem gostoso, do jeito que ela gosta. Claro que ela vai sentar à mesa comigo, não gosto de comer sozinha e, melhor do que assistir T.V é assistir um rosto felino bem feliz e satisfeito. Será que você quer nos fazer companhia? Posso colocar mais um prato na mesa, se você quiser.
Aprendi a cozinhar desde os meus dezesseis. Minha mãe costumava viajar e me deixar com meu pai, o qual nem sempre estava presente. Além do mais, meus costumes são vegetarianos e, se a minha memória não me falha, você também não é de comer carne. Acho que você ia gostar das comidas que eu sei fazer.
Bom, parece-me que já falei demais e estou observando a minha gata andando de volta para casa, preciso ir atrás dela. É uma pena você não ter dado o ar da sua graça por aqui, vou continuar sentindo a sua falta. Você sabe. Às vezes sinto que você sabe até os meus pensamentos, pois, não raro, aconteceu de eu estar pensando alguma coisa e você dizer algo a respeito. Sempre achei curioso, no mínimo. Mas acho que disso, você não sabia. Sabia?
Caso você resolver aparecer, dê uma lida nos meus pensamentos que ficaram por aqui, neles se encontra o caminho até a minha casa e, para ter certeza de que é ela mesma, também se encontra nos meus pensamentos, a imagem da minha gata, ela costuma dar umas voltas pelo jardim, se você a ver, quer dizer que está na casa certa.
Agora, preciso ir, minha gata está parada na esquina da rua, olhando para mim, me esperando, e eu sei como é ruim esperar, mas já disse a ela que estou indo. Se você me permitir lhe dizer mais uma coisa, eu queria pedir para você não ignorar meus pensamentos, leia-os com carinho e, se quiser me responder...