quinta-feira, 23 de abril de 2009

Eu disse assim que acabar

No começo pareceu-me estranho, mas depois compreendi que não passavas de uma ilusão. Quis te encontrar em diversos lugares. Houve dias em que eu saía de casa para sentar num banco qualquer, num lugar qualquer, sem importar que horas, esperando, com um pouquinho de sorte, te ver passar por mim. Pode ter sido falta de atenção da minha parte, pois nunca, em nenhuma dessas vezes, eu te vi. De acordo com as minhas estatísticas, - e veja que eu me dediquei a esta matéria exatamente para calcular as chances de nos encontrarmos no espaço - era tudo uma questão de número de bancos, lugares e tempo. Às vezes o número de pássaros que eu avistava no céu também poderia influenciar nos resultados. Tinha uma caderneta que sempre levava comigo, fosse para anotar números e fazer cálculos ou para servir de janela ao meu coração - meus olhos não eram os únicos que esperavam ansiosos pela formação da sua imagem na minha retina. Passado um tempo, percebi a chegada do inverno. Acordava e não queria levantar da cama. Por que não vinhas me abrigar? Por que não passavas na frente de casa e eu te via pela janela? Por que não deixavas teu endereço entre as grades do meu jardim ou pendurado na folha de uma árvore, como se fosse um presente, uma decoração natalina? Comecei a delirar. O frio nunca me fez muito bem, também nunca gostei muito dele. Muito menos agora que me incapacitava de continuar a minha, tua, busca. O nosso, meu, teu, encontro. Com dificuldade conseguia andar até a cozinha e aquecer um pouco de água. Os números eram negativos agora. Por pouco não esqueço a minha caderneta no solo úmido do jardim da última vez que estive lá fora. O aumento da louça suja, a temperatura da água e a migração dos pássaros não me traziam resultados favoráveis. Nem roupas quentes eu tinha. Havia estado muito ocupada te esperando e não me preparara para esta época fria do ano. Passei a maior parte do tempo deitada, mas eu precisava ao menos fazer de conta que eu poderia te ver. Coloquei a minha cama perto da janela que ficava de frente para a rua e liguei a televisão no canal de notícias, quem sabe poderias estar passeando pelo Shopping e ser entrevistada ou alguma coisa do gênero. Durante esse inverno, a campainha chegou a tocar umas duas vezes, mas não eras tu. Não sei como, mas a questão é que as estações fizeram o seu jogo mais uma vez e eu acordei. Já estava pronta para vestir minhas roupas e calçado e ir novamente às ruas da cidade. Liguei meu Mp3 que ganhara da minha mãe no natal, selecionei a pasta Ladytron e comecei a ouvir Deep Blue “Deep blue I wanna take you to the sun…”. Havia acordado relativamente cedo, o sol já estava no seu lugar, iluminando meu rosto frio e cansado do inverno. As coisas já não me pareciam as mesmas de antes. Sentei no banco número dezesseis, vi duas aves sobrevoando os céus, algumas nuvens sem forma e anotei tudo na minha caderneta. Desta vez deu conjunto vazio. Não entendi o que havia mudado. Levantei assustada e fui andando para casa rapidamente, olhando para o chão. Não quis ver se estarias passando do meu lado nessa minha trajetória. Conjunto vazio. Senti uma brisa não cálida, deixou a ponta do meu nariz e das minhas orelhas frias. Coloquei as mãos nos bolsos da minha calça. Andei tão rápido que tropecei num número ímpar de pedras e as coisas não mudaram quando cheguei em casa. Tudo estava diferente, minha visão adormeceu e meus olhos fecharam. Quem és tu? Por que demoras a me aparecer? A questão é que eu nunca poderia te visualizar de fato. Recordei do inverno retrasado, como num instante de loucura eu mesma criei tua imagem. Delírios de tempos frios. No começo pareceu-me estranho, mas logo fez sentido, minha natureza humana não compatível com temperaturas baixas.