terça-feira, 30 de junho de 2009

II

Ontem de madrugada, acabei guardando a minha carta no bolso, deixei apenas meus pensamentos, não sabia onde estavas ou se estavas em algum lugar. Apenas sabia que não estavas aqui, ali, comigo.
Hoje me parece ter lhe visto. Você estava perto de uma fonte? Um dia desses quem estava perto dela, era eu. Estava pedindo um desejo. Você também estava, se não me engano, vi você jogando uma moeda na fonte. Desculpe a intromissão do meu olhar e meus pensamentos.
Talvez devesse ter ido até você, te chamar, mas fiquei com medo de começar outra carta imensa, guardá-la no bolso e continuá-la no dia seguinte, se bem que, isso já está acontecendo.
Desta vez, minha gata ficou em casa, quis poupá-la das minhas andanças sem conclusão alguma. Esperei você andar até algum outro lugar, então voltei à fonte, mas eu não consegui ler pensamento algum no ar. Você deixou algum?
Você poderia deixar pensamentos espalhados por ai, já que não trocamos mais palavra alguma. Lembro quando um dia, falamos sobre telepatia, mas não me lembro de ter dito que nos resumíssemos a ela. Você lembra?
Pergunto-me para onde você foi agora, já estou sabendo que vai fazer uma viagem dentro de alguns dias, talvez um. É todo o tempo que me resta. A verdade é que eu estou bem ocupada, não deveria estar aqui, nem ali, nem procurando você. Deveria seguir o seu exemplo, mas não. Como é que você faz?
Por mais frio que sinta, não consigo tornar-me igual a ele, mesmo que ele esteja tão dentro de mim, atravessando todas as roupas que visto. Preciso aprender um pouco dele. Desligar-me, talvez. Torradeiras são frias quando desligadas, e os demais eletrodomésticos também. Talvez eu seja geladeira velha, aquecendo mesmo ligada ou desligada.
Você sumiu rapidamente, enquanto eu estava a tentar captar algum pensamento seu no ar. Deixou-me triste, confesso. Não é uma grande confissão. Agora a pouco você estava bem aqui, ali, não ao meu lado. Nem mesmo o ar que você respirou passou perto de mim.
Enquanto penso todas estas coisas, temo esquecer o caminho de volta para casa. Agora você poderia se preocupar? Bem, acredito que minha gata irá sentir a minha falta e virá me buscar. So, don’t worry anyway.
Talvez o problema seja eu estar deixando meus pensamentos em lugares que você não virá. Mas como saber os lugares que você irá? Não tenho muito tempo. Nunca tivemos e agora temos menos ainda, aliás, você e eu não temos mais tempo nenhum, agora, se temos tempo, é um tempo individual, você o seu, eu o meu.
Está acabando, está ficando tarde, o dia seguinte não vai demorar e o dia após o dia seguinte também não. Também não vou demorar e você já foi há horas. Já estou indo de volta para casa, antes que eu esqueça talvez não do caminho somente, mas de voltar. Assim que eu chegar a casa, já poderei esquecer-me de voltar, o ponto de referência será outro, não mais a minha casa.
Se, quem sabe um dia, você captar meu chamado, minhas perguntas, meus pensamentos, será toda resposta necessária. Você vem? Você terá ido. Se um dia eu voltar, eu sentirei falta da minha pergunta no ar, quer dizer então, que ela terá sido sanada.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

I

O que você quer de mim? Eu já estou aqui há horas. Eu e a minha gata. Acho que ela sabia que você não viria, mas me diga você, ainda vem ou eu devo desmarcar tudo? Pois eu já estou aqui, para falar a verdade, como eu já disse antes. Estou começando a ser redundante, mas você sabe, eu sou assim.
Está chovendo, esqueci o meu casaco em casa, mas não se preocupe, se você não vir, eu volto para casa mesmo assim, não me importo de andar debaixo da chuva. Ela até é minha amiga, sabia? Tenho notado que ela é bem solidária, toda vez que vou começar a chorar, ela vem também, como para disfarçar, como para eu achar que o céu chora junto comigo. São todos muito amigos por aqui. É só você me dizer, ainda vem ou eu devo ir por nós duas?
O vento está ficando forte e eu tenho pensado tanto desde que cheguei aqui, estou começando a me sentir mal. Minha gata está deitada nas minhas pernas, numa tentativa vã de me aquecer. Tentei lhe explicar que o meu frio é algo mais interno e lamentavelmente você já me dói demais, logo, é tudo em vão.
Eu não sei bem por que eu vim e muito menos por que eu ainda estou aqui. Já está bem tarde. A hora que marcamos de nos encontrar já passou há muito tempo, eu já devia ter ido, porém ainda espero uma resposta. Você pode se perguntar qual foi a minha pergunta ou se estou falando da mesma pergunta que fiz anteriormente. É ela mesma, você vem?
Acho que a minha gata também está com frio, está tão enroladinha e parece que quer ficar debaixo da minha camisa. Acredito que não vai adiantar, pois minha camisa nem é de lã. Já lhe contei como o céu está bonito? Pois ele está bonito mesmo, bem bonito, você devia ver. Você quer vir? Aliás, você ainda vem? Quando amanhecer, o céu que estou vendo agora vai sumir, pense bem, e mesmo que você venha amanhã, não vai ser o mesmo céu e digo mais, não vai estar na minha companhia, nem você, nem o céu.
Pode ser que agora não lhe importe muito, mas quem sabe um dia, ou mesmo amanhã, você possa sentir alguma coisa em relação a mim, uma vontade de estar perto, assim como a que eu estou sentindo agora. Bem, deixe-me ser mais clara, não é vontade de estar perto de mim que eu estou sentindo, nem algum sentimento em relação a mim, mas sim tudo em relação a você.
Eu sei. Você já deve ter entendido, talvez já esteja começando a me achar repetitiva e até um pouco (ou bastante) boba, mas é que eu preciso mesmo saber, você vem? Não que eu vá ficar aqui até você responder, sabe? De repente eu levanto e começo andar, quem sabe. Você não quer isso, né? Acho melhor você me responder, assim eu posso ficar um pouco mais, te esperando. Não que eu ache que você vai dizer que vem, mas você também não achava que eu ficaria aqui durante tanto tempo, não é?
Não se sinta acanhada, tudo bem se eu tiver que andar até a minha casa, já andei muitas outras vezes. Seja lá qual for a sua resposta, pode falar. A minha gata acabou de descer das minhas pernas e se aproximou de uma poça de água. Eu também estou com sede. Estou com fome. Pensei que depois deste passeio, poderíamos ir jantar a algum lugar. Saí de casa sem comer nada. Não lembro bem se bebi algum copo d’água, suco ou algo parecido. Provavelmente não. Não queria correr o risco de precisar ir ao banheiro no meio da nossa conversa ou silêncio.
Nem mesmo há um banheiro por perto, que sorte! Mas se você estiver precisando ir ao banheiro, eu posso te levar em casa. Você está precisando? Se você disser que sim, eu volto logo para minha casa, pego meu casaco, volto aqui e continuo a te esperar. Assim que você chegar, vamos andando para minha casa e eu te ensino onde é o banheiro.
Não é uma das idéias mais inteligentes que já tive, afinal, onde você está, deve existir um banheiro. Aliás, onde você está? Distraí-me escrevendo esta carta e nem mesmo sei onde posso te entregar. Bem que você poderia me dizer, assim eu vou aí te buscar ou então você poderia vir aqui pegar estes papéis amassados.
Minha gata já voltou, foi dar um passeio, voltou com as patinhas molhadas, e agora minha calça está com umas manchas d’água, naturalmente. Acho que o pior já passou. Agora está bastante silêncio, mais do que antes. Tentei estabelecer uma conversa com a minha gata, perguntar se ela tinha te visto por aí. Você não está perdida, está? A única coisa que a minha gata disse foi “miau”, seria mais fácil se você me dissesse alguma coisa.
Eu tento entender a minha gata, ainda mais numa hora como esta. Mas o engraçado é que, por mais que eu não a entenda, ela me entende, ou ao menos é o que parece. Quando chegarmos a casa, vou lhe servir um banquete bem gostoso, do jeito que ela gosta. Claro que ela vai sentar à mesa comigo, não gosto de comer sozinha e, melhor do que assistir T.V é assistir um rosto felino bem feliz e satisfeito. Será que você quer nos fazer companhia? Posso colocar mais um prato na mesa, se você quiser.
Aprendi a cozinhar desde os meus dezesseis. Minha mãe costumava viajar e me deixar com meu pai, o qual nem sempre estava presente. Além do mais, meus costumes são vegetarianos e, se a minha memória não me falha, você também não é de comer carne. Acho que você ia gostar das comidas que eu sei fazer.
Bom, parece-me que já falei demais e estou observando a minha gata andando de volta para casa, preciso ir atrás dela. É uma pena você não ter dado o ar da sua graça por aqui, vou continuar sentindo a sua falta. Você sabe. Às vezes sinto que você sabe até os meus pensamentos, pois, não raro, aconteceu de eu estar pensando alguma coisa e você dizer algo a respeito. Sempre achei curioso, no mínimo. Mas acho que disso, você não sabia. Sabia?
Caso você resolver aparecer, dê uma lida nos meus pensamentos que ficaram por aqui, neles se encontra o caminho até a minha casa e, para ter certeza de que é ela mesma, também se encontra nos meus pensamentos, a imagem da minha gata, ela costuma dar umas voltas pelo jardim, se você a ver, quer dizer que está na casa certa.
Agora, preciso ir, minha gata está parada na esquina da rua, olhando para mim, me esperando, e eu sei como é ruim esperar, mas já disse a ela que estou indo. Se você me permitir lhe dizer mais uma coisa, eu queria pedir para você não ignorar meus pensamentos, leia-os com carinho e, se quiser me responder...

domingo, 31 de maio de 2009

Aqui, ali, em qualquer lugar

Sob os lençóis e o cobertor, tentava abafar sua tristeza. Escondia-se do mundo exterior e permanecia tão dentro de si. Pensava o quão triste e aconchegante era permanecer deitada enquanto as lágrimas confundiam-se com a chuva. Queria entender por que o céu chorava e onde ele se escondia. Nas nuvens, talvez, pensou. Desejava estar lá no alto e fazer companhia ao céu escuro estrelado, mas sua timidez não lhe permitiria. O céu era grande demais para ela, as estrelas eram muitas e as nuvens desconhecidas. Ninguém iria tirá-la desse estado deprimente. Fez-se manhã, os passarinhos acordaram, a chuva cessou, as estrelas sumiram aos poucos e o sol apareceu. Ela não conseguia enxergar nada disso, continuava coberta de seus lençóis e o seu doce cobertor, apertando forte o travesseiro como se este fosse alguém a lhe ajudar. E ajudava, enxugava as lágrimas e lhe assoava o nariz. Seu ursinho de pelúcia havia ficado do lado de fora de sua fortaleza, isto lhe deixava mais triste ainda. Pensou em estender um pouco a mão para ver se conseguia alcançá-lo, mas ela estava com tanto medo. Tanto mundo se mexia ali dentro, embora ela não tivesse mexido nem a pontinha do dedinho do pé. Se eu pudesse ajudar, pensei, se eu pudesse... Mas me era impossível. Sentei num canto do quarto e tentei cantar alguma coisa que fizesse com que ela acordasse. Não sabia se estava causando algum efeito. Um raiozinho de sol nasceu em cima do cobertor. Ela não sentia nem frio nem calor. Ela pensava na possibilidade de ficar ali para sempre. Estava tão só. Pensava em como seriam as coisas se ela levantasse. O que estaria acontecendo do lado de fora? Apenas o seu mundo já era tão imenso a ponto dela se perder dentro de si. Motivos ela tinha para ter medo. Mais uma vez, eu estava ali para observar. Do lado de fora... Deste lado fazia um calor tremendo. O ventilador estava quebrado. O teto do quarto parecia descer como se logo, fosse esmagar tudo. Eu poderia ter saído de lá. Mas de certa forma, estava ali para tentar amenizar as coisas. Chegou um momento em que nada mais acontecia e ela percebeu. Começou a levantar seu braço direito com cautela, levantando aos poucos uma pequena parte do cobertor. Estava de olhos fechados. Sentiu um vento inexistente, foi um vento apenas para ela. Talvez tenha se formado pelo movimento que ela mesma fez. Sentiu um alívio. Como se o vento fosse um carinho. Eu queria lhe fazer carinho. Rapidamente abriu um dos seus olhos castanhos e tão belos, que pecado tê-los feito poço todo este tempo. Não o abriu por completo, olhou desconfiada, e aos poucos, pude enxergar o seu olhar totalmente. Não poderia contextualizar a profundidade dele. A primeira coisa que ela viu e reconheceu, foi o seu ursinho, e teve a leve impressão de que ele estava lhe sorrindo. Pode ser que estivesse mesmo, não duvido. Eu estava, com calor, sentada, encostada na parede, lhe sorrindo. Prontamente alcançou o bichinho de pelúcia e jogou de lado uma parte do cobertor. Começou a sentir o calor. Estava melhor, olhando um sorriso. Um sorriso que sorria para ela. O meu ela não via. Mas não sei se a deixaria feliz, então continuei assistindo aquela delicada imagem sorrir aos poucos, aquele aconchegante cobertor ficar para um lado, os lençóis salgados e o travesseiro molhado de lágrimas. Ainda temerosa, sentou, abraçando seu ursinho, encostada no travesseiro e na parede, com o lençol sobre as pernas e o cobertor totalmente afastado. Que olhos. Estavam também cansados. Ela lembrou que não dormira nada. Eu também. Levantei e dei uns passos pelo quarto. Ela olhava o nada e eu a ela. Queria tê-la abraçado, pousar a minha mão sobre o seu corpo. Queria sentir se agora ela estava em paz. Desejei que estivesse. Fui me distanciando aos poucos. Despercebida do começo ao fim. Queria ter estado contida naquele olhar ao menos uma vez, assim como o conjunto dos números reais está contido no conjunto dos números complexos. Era o nada e ao mesmo tempo não o era, pois ela não estava olhando a mim, e continuou a olhar o nada, e eu a ela.

sábado, 9 de maio de 2009

Descrevendo tua ausência

Luzes por todos os lugares. Luzes que me cegam a tal ponto de não conseguir mais enxergar a tua sombra. Estás distante. Distante como a minha terra, longe daqui, eu longe dela, longe de ti. Deixo que mãos me guiem. Mas não há mãos suficientes para me levarem às tuas. Luzes fortes, entre elas tua ausência. Minhas mãos já estão doendo, entre elas tua ausência. Tua ausência, tua ausência, tua ausência. Luzes de natal. Presente. Ausência presente. Eis ela, não tu. As luzes também. Mas são estas luzes que escurecem. Veja bem. Sei que está tarde e quanto mais tarde é mais cedo. Compreende. Entre as luzes, a música, alta, elevando-me. I’m getting high, but this make me feel low. I can’t find you there, I’m getting sic, but I’m fine, I guess. Nem todas as luzes, nem o lugar mais alto. Muito menos a escuridão e meu ponto de partida. Nada disso. Estás no centro, no ponto intermédio. Dá-me as coordenadas. Diz-me se é o teu umbigo. Mostra-me. Os meios, teus seios. Guarda tuas meias e roupas para vestir depois. Desliga as luzes que me cegam, abaixa o som que me eleva, tira-me daqui, leva-me para onde estás, onde quer que estejas. Leva-me para mim e permanece dentro de mim. Grita para que eu possa te sentir não mais distante. Dá-me a tua presença e a certeza. Enquanto neste exato momento, estou pisando em cacos de vidro que refletem ainda mais as luzes da tua ausência. Meus pés não sangram tanto quanto meus olhos. Agora, mais do que nunca, preciso de mãos. As luzes começam a queimar, não a elas. A temperatura do meu corpo sobe e não consigo fazê-la parar. Continuas ausente. Como pode ela ser tão presente? A tua ausência. Faz festa. A tua ausência. Toca. A tua ausência. Eu quero. Tocar. A tua. Presença. Eu não quero festas. A música diz “'Cause if you're not really here, then I don't want to be either, I want be next to you”. Pensei que seria o fim,

mas a música continuou.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Eu disse assim que acabar

No começo pareceu-me estranho, mas depois compreendi que não passavas de uma ilusão. Quis te encontrar em diversos lugares. Houve dias em que eu saía de casa para sentar num banco qualquer, num lugar qualquer, sem importar que horas, esperando, com um pouquinho de sorte, te ver passar por mim. Pode ter sido falta de atenção da minha parte, pois nunca, em nenhuma dessas vezes, eu te vi. De acordo com as minhas estatísticas, - e veja que eu me dediquei a esta matéria exatamente para calcular as chances de nos encontrarmos no espaço - era tudo uma questão de número de bancos, lugares e tempo. Às vezes o número de pássaros que eu avistava no céu também poderia influenciar nos resultados. Tinha uma caderneta que sempre levava comigo, fosse para anotar números e fazer cálculos ou para servir de janela ao meu coração - meus olhos não eram os únicos que esperavam ansiosos pela formação da sua imagem na minha retina. Passado um tempo, percebi a chegada do inverno. Acordava e não queria levantar da cama. Por que não vinhas me abrigar? Por que não passavas na frente de casa e eu te via pela janela? Por que não deixavas teu endereço entre as grades do meu jardim ou pendurado na folha de uma árvore, como se fosse um presente, uma decoração natalina? Comecei a delirar. O frio nunca me fez muito bem, também nunca gostei muito dele. Muito menos agora que me incapacitava de continuar a minha, tua, busca. O nosso, meu, teu, encontro. Com dificuldade conseguia andar até a cozinha e aquecer um pouco de água. Os números eram negativos agora. Por pouco não esqueço a minha caderneta no solo úmido do jardim da última vez que estive lá fora. O aumento da louça suja, a temperatura da água e a migração dos pássaros não me traziam resultados favoráveis. Nem roupas quentes eu tinha. Havia estado muito ocupada te esperando e não me preparara para esta época fria do ano. Passei a maior parte do tempo deitada, mas eu precisava ao menos fazer de conta que eu poderia te ver. Coloquei a minha cama perto da janela que ficava de frente para a rua e liguei a televisão no canal de notícias, quem sabe poderias estar passeando pelo Shopping e ser entrevistada ou alguma coisa do gênero. Durante esse inverno, a campainha chegou a tocar umas duas vezes, mas não eras tu. Não sei como, mas a questão é que as estações fizeram o seu jogo mais uma vez e eu acordei. Já estava pronta para vestir minhas roupas e calçado e ir novamente às ruas da cidade. Liguei meu Mp3 que ganhara da minha mãe no natal, selecionei a pasta Ladytron e comecei a ouvir Deep Blue “Deep blue I wanna take you to the sun…”. Havia acordado relativamente cedo, o sol já estava no seu lugar, iluminando meu rosto frio e cansado do inverno. As coisas já não me pareciam as mesmas de antes. Sentei no banco número dezesseis, vi duas aves sobrevoando os céus, algumas nuvens sem forma e anotei tudo na minha caderneta. Desta vez deu conjunto vazio. Não entendi o que havia mudado. Levantei assustada e fui andando para casa rapidamente, olhando para o chão. Não quis ver se estarias passando do meu lado nessa minha trajetória. Conjunto vazio. Senti uma brisa não cálida, deixou a ponta do meu nariz e das minhas orelhas frias. Coloquei as mãos nos bolsos da minha calça. Andei tão rápido que tropecei num número ímpar de pedras e as coisas não mudaram quando cheguei em casa. Tudo estava diferente, minha visão adormeceu e meus olhos fecharam. Quem és tu? Por que demoras a me aparecer? A questão é que eu nunca poderia te visualizar de fato. Recordei do inverno retrasado, como num instante de loucura eu mesma criei tua imagem. Delírios de tempos frios. No começo pareceu-me estranho, mas logo fez sentido, minha natureza humana não compatível com temperaturas baixas.

domingo, 22 de março de 2009

Infinito completo vazio

Resolvi escrever um texto infinito, que não tivesse fim e nunca acabasse. No começo estava meio perdida. Entrei num túnel que me fora apresentado. Não me lembro de rostos. Talvez porque não houvesse nenhum. Era um túnel, escuro e interminável. Comecei a pensar no que acabara de me acontecer. Começara a escrever palavras e mais palavras, mas não conseguia vê-las. Não me lembro de conseguir enxergar. Talvez porque não tivesse olhos. Ou me faltassem as mãos. Mas estava sentada ali, no meio do túnel, ou poderia ser o começo, mas nunca o final. Levantava, andava, sentava, escrevia. Nada ficava claro. Talvez porque não raciocinasse mais. Não havia ninguém para me dizer se estava certa ou errada, ou se estava ali. Não havia ninguém para eu dizer que havia alguém. Não que eu me sentisse só. Sentia-me dentro de um túnel. Acredito que o túnel era tudo. Sempre estive nele, pois ele continua para sempre. Se ele continua para sempre, o começo é sempre. Se ele continua para sempre, todo o espaço que há, é dele. Pensei em procurar astronautas. Pensei em que parte do túnel, estaria eu, supostamente, em outro planeta. Pensei se me afastara de casa ao menos 30 km. Pensei quantas calorias poderia perder se andasse sem parar. Creio que seria o fim, se eu andasse sem parar. Mas não estava procurando por ele, precisei parar, então, várias vezes. Sentava, escrevia. Também não poderia escrever sem parar, seria o fim. Levantava, andava. Comecei a pensar que alguma hora sentiria sede. Mas se eu não tivesse olhos, poderia não ter boca, poderia não ter organismo, não ter células. Poderia viver ali para sempre. Isto fazia sentido. O que mais não havia? Não me interessava, exceto quando me intrigava. Percebi que a cada dois passos, podia sentir algo molhado no chão. Talvez porque estivesse descalça. Poderia estar nua, também. Após algum tempo, ou talvez nenhum, cheguei. Já podia sentir a fuga. O espaço negro tornando-se mais espaço negro e por mais que o espaço fosse aumentando, tudo diminuía. Se antes me faltavam as mãos e mais outras coisas, agora faltava-me tudo. Mas de alguma estranha forma tudo que me faltava, completava-me ao mesmo tempo. Nada era tudo que precisava. E assim o vazio foi tornando-se mais vazio, tornando-se completo vazio, e tudo desapareceu, e nada desapareceu. Entendi e não entendi ao mesmo tempo. Minha compreensão era e não era. Meu texto conseguira tornar-se infinito, pois falar de tudo e nada não tem fim. Infinita existência de vazio infinito. Um poço de palavras sem fundo, sem poço. Sem palavras.

quinta-feira, 12 de março de 2009

É como sentir cheiro de flores de manhã cedo. Acordar com o bater das asas de um beija-flor. Beijar a flor. A cama está cheia de pétalas. O beija-flor veio avisar que o dia já amanheceu. A janela estava aberta, ele entrou e saiu. Eu continuei deitada, admirando uma flor. Quis imitar o beija-flor, sem sair.
É como o inverno que passou. A primavera vem logo em seguida. É como milhões de flores nascendo no jardim. Estou entre elas. Posso sentar na grama e conversar com todas elas. Deito na grama e o tempo começa a passar por mim. O tempo passa e as flores passam por mim. Sem me importar para onde vou, deito, sinto o cheiro de uma flor e tanto faz se o chão vai se abrir daqui a um tempo. Pois sei que vai.
Há uma flor em minha cama, e eu não sei muito bem como tocar flores. As pétalas que há, são todas dela. Um novo aroma surge no meu quarto. Desde ontem à noite podia senti-lo fixar-se nas paredes do meu quarto e em cada objeto que possuo. Avisto mais uma vez o beija-flor. Tento afastá-lo da minha.
Continuo sem saber tocá-la, mas ela tão quieta. Como se nada ruim fosse me acontecer caso eu fizer algo errado. O toque de uma flor nunca pode ser errado, para quem sabe o que é uma flor. Disse que eu não entendo de flores, eu mente. Não minto, mas a mente... Que vá para longe.
De uma coisa quero ter certeza. Encho de terra minha cama, encho de água. Quero vê-la florescer nos meus braços. Quero sempre as pétalas a me cobrir. Quero ser terra e água. Quero ser o vaso. Quero puxar a descarga.
É como uma flor seca. A visita do beija-flor que morre. Veio entrar no meu quarto, bateu a cabeça na janela. Cai, decompõe. Um pássaro maior vem a comer os restos. Um gato velho vem comer o pássaro maior. Não quero assistir. Enfia as garras no peito do urubu, cai. Sangram de ambos os lados. Ninguém vence.
É como a luta silenciosa de todos os dias. Como a mudança do belo para o feio. Para o grosseiro, sórdido. Minha cama não passa de velhos lençóis que nunca lavo. E é incrível a dificuldade que tenho para escrever lençóis. Atrapalho-me entre o cê-cedilha e o acento.
Há nada mais e nada mais que nada e nada que eu queira mais. O começo de algo tão diferente do fim. Mas concluo que não devo me preocupar, logo mais estarei ao lado de todos os outros, tão iguais e diferentes. Não questiono mais, o fim não é saber, o fim é não saber. Concluo e desapareço do espaço, perdendo os laços, sentindo o descaso, aliviando-me como uma pedra sendo jogada no rio.
Deve ser tão confortável, afundar e afundar. Chegar ao fim. Se o que querias era agonia, deixa o menino te encontrar no meio de todas as outras. O lançamento perfeito. Seja por alegria, raiva ou falta do que fazer. Levanta a mão, te solta, pedra. Vais para longe, e eu não posso te alcançar. E eu não sei se é o fim, então é.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Em ritmo de carnaval

Mostre o sorriso, a felicidade estampada na cara, é carnaval. Dance, dance, dance. Até cair no chão, como se ainda não estivesse lá. Coloque sua máscara já quebrada de outros carnavais. A mesma velha máscara que você não usa mais, exceto quando é carnaval. Aquela poeira sobre você, entupindo cada poro do seu rosto sujo, de quem não toma banho há dias. Respire toda a poeira, até não conseguir mais. Morta, completamente dura. Levante e dance. Como puder, afinal, ninguém está olhando. Você pensa que sim. Em outros carnavais, sua fantasia ainda era nova. Dançava. Como todas as pessoas, todas estas pessoas tão importantes, que nem sequer olham para você. Sua fantasia levanta e dança. Cê fica onde está. Cê chora. Cê não quer ficar. Cê não quer dançar. Cê se pudesse. Cê nem estaria aqui. Cê ficaria longe. Cê ficaria fora dessa. Cê, nem é você. Cê dorme, descansa tranquilamente, como quem não quer nada. Cê parece você. Cê não é ninguém. Cê parece com alguém. Cê cansou de vestir. Cê andou por ai. Cê não foi percebido. Cê imaginou que fosse. Cê comeu mais tarde. Cê vomitou. Cê jogou no chão. Cê suas moedas. Cê queria um prato. Cê não tinha mais. Cê nada. Cê voltou. Cê foi. Cê correu. Cê para longe. Cê morreu. Cê achou. Cê ainda está vivo. Cê não é homem nem mulher. Cê é animal. Cê comportou-se. Cê não queria mais. Cê é carnaval. Cê não chora mais. Cê está com a minha mulher. Cê nem tem uma mulher. Cê gosta dela. Cê não quer. Cê caiu. Cê queria. Cê cedilha.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Sou um caracol

Tudo que eu precisava era de sal, porque eu sou um caracol, e de um pouco, porque eu sou pequeno. Tudo que eu precisava era de sal. Bastante, porque sou pequeno, mas sou guloso. O que eu precisava era pouco, mas eu queria bastante. Então comecei a espumar, espumar, espumar. Espumava bastante e as crianças riam de mim. Pegavam-me pelo meu casquinho de nada e colocavam-me de pé pra cima. Meu casquinho ia logo quebrar. Essas crianças tem uma força danada. Espumava, espumava. Gosto de chamar de espuma. Espuma me lembra banho, e banho me lembra sais de banho, e sais de banho me lembram sal, e sal me lembra espuma. Acontece que o meio do meu organismo torna-se hipertônico. Precisa urgentemente de água. Mas eu não espero que ela chegue. Sei que as crianças tem umas garrafinhas com água nas suas mochilas, mas eu não vou pedir não. Não sou de pedir muitas coisas. Peço quase nada. Nem mesmo pedi sal. Mas todos meus irmãos já passaram por isso e nunca mais vi nenhum deles. Deve ser coisa de outro mundo e eu quero sair daqui. Espumava. Acho que espumei por completo. Agora estou no chão, minha casinha está em cacos. As crianças foram embora correndo. Seria uma espécie de brincadeira? Fiquei pensando o que estaria por vir. O que será que elas iriam trazer para mim? Não vi quanto tempo as crianças demoraram, mas sei que estava me sentindo muito cansado. De repente não senti mais nada, restou apenas o meu pensamento transbordando no papel através de alguém que olhara para mim desde o começo, sem eu perceber. Não percebi, percebi e morri.