domingo, 22 de fevereiro de 2009

Em ritmo de carnaval

Mostre o sorriso, a felicidade estampada na cara, é carnaval. Dance, dance, dance. Até cair no chão, como se ainda não estivesse lá. Coloque sua máscara já quebrada de outros carnavais. A mesma velha máscara que você não usa mais, exceto quando é carnaval. Aquela poeira sobre você, entupindo cada poro do seu rosto sujo, de quem não toma banho há dias. Respire toda a poeira, até não conseguir mais. Morta, completamente dura. Levante e dance. Como puder, afinal, ninguém está olhando. Você pensa que sim. Em outros carnavais, sua fantasia ainda era nova. Dançava. Como todas as pessoas, todas estas pessoas tão importantes, que nem sequer olham para você. Sua fantasia levanta e dança. Cê fica onde está. Cê chora. Cê não quer ficar. Cê não quer dançar. Cê se pudesse. Cê nem estaria aqui. Cê ficaria longe. Cê ficaria fora dessa. Cê, nem é você. Cê dorme, descansa tranquilamente, como quem não quer nada. Cê parece você. Cê não é ninguém. Cê parece com alguém. Cê cansou de vestir. Cê andou por ai. Cê não foi percebido. Cê imaginou que fosse. Cê comeu mais tarde. Cê vomitou. Cê jogou no chão. Cê suas moedas. Cê queria um prato. Cê não tinha mais. Cê nada. Cê voltou. Cê foi. Cê correu. Cê para longe. Cê morreu. Cê achou. Cê ainda está vivo. Cê não é homem nem mulher. Cê é animal. Cê comportou-se. Cê não queria mais. Cê é carnaval. Cê não chora mais. Cê está com a minha mulher. Cê nem tem uma mulher. Cê gosta dela. Cê não quer. Cê caiu. Cê queria. Cê cedilha.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Sou um caracol

Tudo que eu precisava era de sal, porque eu sou um caracol, e de um pouco, porque eu sou pequeno. Tudo que eu precisava era de sal. Bastante, porque sou pequeno, mas sou guloso. O que eu precisava era pouco, mas eu queria bastante. Então comecei a espumar, espumar, espumar. Espumava bastante e as crianças riam de mim. Pegavam-me pelo meu casquinho de nada e colocavam-me de pé pra cima. Meu casquinho ia logo quebrar. Essas crianças tem uma força danada. Espumava, espumava. Gosto de chamar de espuma. Espuma me lembra banho, e banho me lembra sais de banho, e sais de banho me lembram sal, e sal me lembra espuma. Acontece que o meio do meu organismo torna-se hipertônico. Precisa urgentemente de água. Mas eu não espero que ela chegue. Sei que as crianças tem umas garrafinhas com água nas suas mochilas, mas eu não vou pedir não. Não sou de pedir muitas coisas. Peço quase nada. Nem mesmo pedi sal. Mas todos meus irmãos já passaram por isso e nunca mais vi nenhum deles. Deve ser coisa de outro mundo e eu quero sair daqui. Espumava. Acho que espumei por completo. Agora estou no chão, minha casinha está em cacos. As crianças foram embora correndo. Seria uma espécie de brincadeira? Fiquei pensando o que estaria por vir. O que será que elas iriam trazer para mim? Não vi quanto tempo as crianças demoraram, mas sei que estava me sentindo muito cansado. De repente não senti mais nada, restou apenas o meu pensamento transbordando no papel através de alguém que olhara para mim desde o começo, sem eu perceber. Não percebi, percebi e morri.