terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sem pratos na mesa de jantar.

Naquela noite, talheres bem dispostos na mesa. Cadeiras arrumadas, uma vela acessa no meio do banquete. Desde peru assado até batatinhas cozidas. Aguardavam ansiosos o jantar. Não era uma família. Também não eram convidados. Nem ao menos o cachorro do vizinho ou a gata da dona da casa. A comida dava para mais de seis pessoas, dava para todas as crianças que morrem de fome na África. Embora isto fique um pouco clichê, mas dava. Quem preparara o jantar? Ele apenas estava lá. Não havia pratos. Não havia pratos descartáveis nem de cerâmica ou porcelana. Não havia pratos de barro. Não havia terra onde fora feita a colheita dos vegetais para o jantar. O peru fora assado em uma fonte de vidro, no forno sofisticado que havia na casa. Era uma casa, sim. Uma casa simples o bastante, porém cheia de apetrechos. Eu mesma, não era ninguém lá. Eu nem mesmo estava lá. Nem mesmo a dona da casa. Nem mesmo sei como eu sei tudo isto. Também não sei o porquê desta observação. Pouca e muita coisa eu sabia e continuo a saber. Acredito que minha mente se aventura em lugares que nunca conheci e histórias das quais nunca participei. Quantas cadeiras havia em volta da mesa? Eram quatro. Havia mais duas em um canto da casa, e o chão dava para sentar mais algumas pessoas. A campainha tocou. O prato principal estava queimando. A campainha tocou mais uma vez. O prato principal estava estragado. Que bom que não havia convidados para o jantar. Que bom que não havia família para se desapontar com o jantar. Pergunto-me se o fato de não haver pratos de nenhuma espécie fora proposital. Ouvi uns barulhos vindo de um dos quartos da casa. Ao todo, eram três quartos. A porta do quarto se abriu. Enganei-me ao pensar que a casa se encontrava vazia. Alguém abrira a porta de fato, mas demorou um tempo até alguém sair do quarto. Acho que ouviram os meus passos. Mas que ironia. Uma criança entre quatro e cinco anos aproximou o olhar no pequeno espaço que se formara ao abrir a porta do quarto. Ela não abrira a porta totalmente. A porta estava semi-aberta. A criança olhou desconfiada, mas não viu ninguém. Logo mais, ela já estava andando pela casa. Olhou o prato principal, estragado. Quis chorar, mas vestiu umas luvas de cozinha. O prato foi para a lixeira. Mas que ironia. Tirou as luvas, deixou-as em cima da mesa da cozinha, olhou a mesa de jantar, voltou para o quarto, fechou a porta, deitou na cama e voltou a dormir. A campainha tocou. O carro estava em casa. Não havia pratos de nenhuma espécie. Nunca ouve, sabemos desde o começo. As moscas já haviam invadido a lixeira, atrás do prato principal. Enganei-me ao pensar que a casa se encontrava vazia. O quarto permaneceu fechado. Não família, não convidados. O jantar dava para mais de seis pessoas. Os talheres bem dispostos na mesa. A vela continuava acessa. O peru, as batatinhas e o resto do jantar, não saira do lugar. A este ponto tudo já estava frio e o prato principal já havia passado do ponto. Mas que ironia, pensei. Estava na hora de ir embora, embora o jantar não tivesse hora para começar nem terminar. As luzes da casa ficaram acessas um bom tempo. A campainha não tocou mais, devia estar com defeito. Não quis saber, já estava ficando chato. Ia pegar o meu casaco antes de deixar a casa, mas lembrei-me de que eu não estava lá.

4 comentários:

Anônimo disse...

doem demais...

tay. disse...

desde que te li pela primeira vez, me pareceu Santiago Nazarian. acho que pela ordem desordenada das frases, sabe? elas vão se completando. sem se completar. não sei se entende, creio que sim. e eu adoro. e é doído e delicioso de ler. e tu tens aí dentro um vazio doido, anaïs nin.

delianne lima disse...

me lembrou Edgar Allan Poe. E eu já te disse, não? Escreves de maneira a prender quem te lê.

TIAGO JULIO MARTINS disse...

bom mesmo.